segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Um homem, um ramo. E não era dia de S. Valentim.

"Numa manhã cinzenta desta semana vi um velhote com um ramo de cinco túlipas vermelhas na mão.
Foi na Praça de Londres, em Lisboa. Ele ia com o ramo empinado e nem a sua posição nem o seu rosto denotavam qualquer informação, daquelas que a repórter adormecida que existe em mim queria saber.
Um dia, quando eu já estiver demasiado antiquada para o trabalho de dirigir revistas, como voltar a essa nobre e livre profissão de repórter. Se esta cena se passasse nessa altura eu teria parado o carro e saltado para a rua. Um velhinho com flores na mão era a história garantida - daquelas que deviam estar nos nossos jornais e revistas todos os dias e não estão, por falta de tempo, por inércia, porque deixámos de nos importar com as coisas pequenas da vida. Fossem as túlipas para uma amante tardia ou para uma mulher precocemente falecida, ali havia história.
E eu sabia que ali havia mais do que uma história - havia uma história à qual eu poderia acrescentar alguma moral, como são todas as boas reportagens, espécies de fábulas que nos ajudam a explicar o mundo real com base em moralidade e pressupostos que todos conhecemos. Bastava-me referir e frisar que esta cena se passou fora do dia que amanhã se comemora em todo o mundo, o dos Namorados.
Aquele homem ia levar flores a alguém sem que a isso tivesse sido obrigado pelo calendário. Antecipou-se, até. A sua agenda era diferente da da economia e do comércio nacional.
A sua idade, a sua experiência, o facto de ser do tempo em que não havia Dia de São Valentim a leste do mundo anglo-saxónico que os filmes nos impuseram como matriz cultural, tudo isso e muito mais poderia estar na origem da sua decisão de comprar flores num dia qualquer. E isso dava-me um tão bom final para a minha história como me dá um bom argumento para esta crónica em que tenho de falar do Dia dos Namorados.
O romantismo de que estamos todos tão necessitados não pode vir de dias como este, marcados no calendário, importados por comerciantes famintos, ansiosos por reverterem a depressão pós-natalícia nuns lucros feitos num dia que vem mesmo a calhar no calendário contabilístico das suas empresas. Nesta época triste em que já nem podemos rejubilar com uma revolução como a que acontece no Egipto sem pensarmos, com realismo, nas suas consequências, nesta época triste, dizia, precisamos mais de seguir exemplos como o de um homem velho que resolve comprar cinco túlipas vermelhas do que o de milhares de namorados que escolhem as mesmas prendas, os mesmos postais com frases passadas a papel químico. E esta expressão faz-me pensar se não estarei mais perto do que supunha de ficar antiquada de mais para dirigir uma revista... Mas alguém ainda se lembra do que é papel químico?"

[Encontrei a história ideal para caracterizar o dia de hoje.]

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