segunda-feira, 21 de junho de 2010

Descodificar círculos (im)perfeitos

A história dramática da paixão entre dois irmãos gémeos é relatada, de forma crua e surpreendente, no filme Como Desenhar um Círculo Perfeito. Guilherme (Rafael Morais) e Sofia (Joana de Verona) vivem numa velha mansão lisboeta, no seio de um família cujos círculos são completamente imperfeitos. Filhos de país divorciados, cresceram a partilhar experiências, no entanto, cada um encontra um caminho diferente para seguir rumo à adolescência. Sofia entrega-se à rebeldia e vive entregue à vida boémia. Guilherme tem uma personalidade mais reservada e retraída que vive entregue ao desejo de um amor correspondido com a irmã. O pai dos gémeos é um escritor francês, com problemas com o álcool, que passa os dias fechado num velho apartamento a desenvolver obsessivamente um novo trabalho literário. A mãe de ambos passa a maior parte do tempo afastada do núcleo familiar, de forma a tratar dos seus negócios obscuros. É neste clima de imperfeição que Guilherme procura resguardar a sua vida em círculos perfeitos, que demora a atingir. Vivendo à margem daquilo que é considerado normal na vida de um jovem, a personagem principal do filme resguarda-se num clima quase autista, quando, após a irmã o rejeitar, se refugia em casa do pai. O filme, do mesmo realizador de Alice, culmina no regresso de Guilherme a casa, para os braços da sua irmã que, na sua ausência, compreendeu a falta que o gémeo lhe fazia. O realizador, Marco Martins, apresenta nesta segunda curta-metragem características semelhantes do seu primeiro filme, considerado pela crítica como um dos melhores filmes portugueses de todos os tempos. O drama enfatizado em planos escuros, bem como a abordagem a questões socialmente relevantes são dos factores comuns às duas realizações de Marco Martins. Como Desenhar um Círculo Perfeito é um filme dedicado a paixões incestuosas que vai muito além do simples evidente. Em cerca de 95 minutos, na sua maioria mudos, de forma a dar relevância às acções e aos pormenores das personagens, o realizador conseguiu codificar o sofrimento dos dois irmãos gémeos com uma série de cifras que cabe ao espectador descodificar, interpretar e concluir. São círculos (im)perfeitos aqueles que acabam por fazer parte de todo o filme, ainda que, para Guilherme, seja relativamente fácil desenhá-los perfeitamente sem a ajuda de qualquer instrumento. É de forma íntima e silenciosa que o espectador se envolve num ambiente algo perturbador, mas também contagiante pela simplicidade das suas emoções. Podia ser simplesmente mais um filme sobre incestos, no entanto, acaba por se desmarcar de todos os outros pelo simples facto de captar o público para as acções com uma intensidade tal que o prende aos acontecimentos. Os cenários foram escolhidos pormenorizadamente, de forma a captar as emoções de cada personagem. O público fica rendido à reflexão do principio ao fim, devido a existirem uma série de simbologias por detrás de cada cena ou de cada acontecimento. Os pormenores revelam-se importantes na interpretação e é certo que por detrás de cada acção estão mensagens complexas que tornam o filme emblemático. É um risco que pode ser traduzido em más interpretações, uma vez que não é concreto e é necessário uma certa sensibilidade para o perceber. A história só por si é considerada interessante e poderosa, no entanto, é o ritmo do filme, que pode ser considerado por muitos demasiado lento, que acaba por traduzir a argumentação humanista e absolutamente fantástica. É necessário, no entanto, que chegue a um público atento e aberto a um certo tipo de filmes cuja acção é predominante. A curta-metragem de Marco Martins é, desta forma, mais um marco na história do cinema português que vem contrapor os críticos do mesmo. A maneira como se apresenta é, não só vanguardista, no sentido em que a maioria dos filmes nacionais não chegam ao público desta forma, como também metafórica, o que representa uma grande coragem do próprio realizador.
[crítica relativa ao filme Como Desenhar um Círculo Perfeito]

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