quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Um dia entrevistei um amigo que quer ser político...

[...hoje é o dia de mostrar isto ao mundo!]

A escola que o viu crescer durante o secundário foi o palco de uma entrevista onde o jovem político de Alverca reflectiu sobre o seu percurso, as suas convicções e os seus desejos futuros. Num ambiente nostálgico e sereno, para além de falar de si, Sérgio Dundão, um angolano estudante de Ciências Políticas, analisou o estado da politica, principalmente em Portugal. Desencantado, agora que começa a descobrir as fragilidades existentes politicamente, o jovem promete regressar a Angola, assim que tiver oportunidade, para levar esperança ao seu pais. Persistente, Sérgio continua a encontrar fascínios no mundo politico que o envolve com a sua complexidade.

O que é que mais te fascina no mundo da política?
Se eu te disse-se que , inicialmente, tinha noção de que, um dia, seria esta a área que iria ingressar, estaria a mentir-te. Acho que o primeiro aspecto que me levou para o curso de ciência política foi o facto de ter uma grande necessidade de conversar. Não foi, de todo, por ter a noção daquilo que queria, realmente, fazer. Ainda estava em Angola e já muita gente me dizia ‘um dia vais ser político‘, porque, apesar de na altura só ter 12 anos, já conversava politicamente, principalmente no seio da família. Fiz o secundário sempre convencido de que seguiria história, uma vez que era a minha disciplina preferida, no entanto, quando cheguei ao 12º ano, influenciado por alguns professores que sabiam do meu gosto em acompanhar política, procurei escolher uma área de maior amplitude e conhecimento, por isso, candidatei-me ao curso de Ciências Políticas e Relações Internacionais, para poder ter uma visão abrangente sobre duas coisas que me interessam particularmente. Hoje em dia, sei que o meu discurso é muito mais fundamentado e que cresci imenso politicamente. Cada vez mais, acho interessante compreender o jogo de como é que a política funciona porque, na minha opinião, a ciência política é muito complexa.

E é essa complexidade que também te fascina?
Sim, sem dúvida. A ciência política não é exacta e baseia-se, sobretudo, na própria história. É necessário perceber essa linguagem e adapta-la aos contextos actuais.

Dizes que, desde sempre, foste um conversador. Consideras-te, também, um manipulador?
[risos] Todo o discurso é manipulador. Um pai, por exemplo, tem discursos dissuasores para com os filhos, de forma a que estes tomarem decisões que vão de encontro às perspectivas do próprio pai. O político tem exactamente a mesma posição porque, a partir do uso das palavras, tenta dissuadir as pessoas. Quando converso com alguém tenho sempre tendência para cativá-la e a vender o meu discurso. Se disse-se que não, estava a ser hipócrita, porque todos temos tendência para fazer isso. O problema da manipulação é quando esta não tem valores ou princípios e esconde alguma coisa, mas, de resto, em todos os discursos os indivíduos são obrigados a convencerem-se mutuamente.

Fazes, ou fizeste, parte de algum movimento político?
Recebo muitos convites para ingressar em juventudes partidárias, no entanto, acho perigoso associar-me a qualquer um desses movimentos enquanto ainda estou a assimilar o que é a ciência política pois, à partida, a minha visão ideológica ou partidária iria interferir com aquilo que estou a aprender. O que acontece nessas situações, ainda que muitas vezes inconscientemente, é que partimos para a aprendizagem com uma visão já formatada. Por isso é que decidi que, enquanto não acabar o curso, não vou participar nessas associações partidárias, para que o meu conhecimento não fique limitado pois, essa limitação pode fazer de mim um mau profissional. Não tenho nada contra quem se associa nestes movimentos, no entanto, tenho pena que muitas vezes não consigam perceber que, os partidos, apenas estão preocupados com o rebanho que têm atrás.

Não consideras, então, que o fac
to de te associares a qualquer um desse tipo de movimentos te iria tornar mais facilmente activo politicamente?
Não discordo com isso, até porque as juventudes partidárias têm o seu fascínio. No entanto, amarram os participantes aos seus pensamentos, não lhes permitindo uma evolução ou um crescimento. Para mim, não é desta forma que conseguimos chegar a uma política verdadeiramente consciente.

Quais são as tuas ambições ou projectos?
O meu objectivo passa por trabalhar e por tentar estar sempre perto da população, mesmo enquanto estiver na universidade. Não digo que vou fazer caridade mas, ao perceber os instrumentos do mundo da política, tenho capacidade para estar perto de quem, hoje em dia, é mais atraiçoado pelos políticos. Presentemente, o meu grande objectivo é mesmo recolher o máximo do mundo das ciências políticas e utilizar isso na minha vida futura, independentemente do espaço ou da área onde trabalhe.

Qual é o projecto político com que mais te identificas?
Sempre militei muito mais à esquerda, num quarto estágio, não coincidente com o Partido Comunista. Não há uma força ideológica com que eu me identifique totalmente, mas centro-me quando o Estado acaba, tal como nos anarquistas.

Sei que projectavas exercer politica no teu pais de origem. Isso ainda é uma ambição válida?
Acho que, na vida, não podemos limitar-nos a responder que ‘sim’ ou que ‘não’. Se um dia for necessário ajudar o meu pais, e surgir essa oportunidade, assim o farei, sem sequer pensar duas vezes. O principal objectivo de quem estuda politica é mesmo ajudar e alterar a vida das populações. Voltar a Angola, para fazer algo pelo meu pais, é mais do que um sonho, é uma obrigação da minha parte. Acho que há muito para fazer em África, há muitas políticas que têm que ser alteradas. O facto de viver há muito tempo na Europa fez com que aprendesse que, se um dia voltar a Angola, não quero tornar aquele pais num estereotipo europeu. A minha influência nunca será para criar um novo angolano, apesar de admitir que levarei da Europa os seus aspectos mais positivos.

O que é que mudavas em A
ngola?
[risos] Em Angola vive-se de forma muito agitada. É uma sociedade que não tem crença no amanha e, por isso, vive cada dia como se fosse o último. Isto é algo que me faz muita confusão. Uma das coisas que levava para o meu pais é a esperança porque acho que eles precisam disso. A sociedade angolana está desesperada e não aprecia a vida.

E em Portugal, como analisas a nossa politica actual?
Acho que é preciso uma mudança e eu, apesar de desencantado com a politica portuguesa, tenho esperança nisso. O que é necessário, acima de tudo, é saber onde é que se deve mudar, para que as alterações visem aprofundar a qualidade partidária. O que mais me desilude, em Portugal, é continuar a ver crescer uma direita conservadora que não tem evoluído, positivamente, ao longo do tempo. São necessários partidos de direita que tenham carácter e que sejam capazes de recusar negociar com o Estado. O que vemos, actualmente, são partidos de direita que fazem, constantemente, um aproveitamento da sua posição partidária, não indo de encontro aos seus valores ideológicos. É necessário um revisionismo e uma revitalidade. O meu desencanto, porém, vai além daquilo que são os partidos portugueses. Os problemas também provêm da forma como a nossa sociedade se apresenta. A falta de consciência das pessoas, a forma como todos se tentam aproveitar das fraquezas dos outros e a ausência de interesse em torno de um bem comum são pontos representativos da fragilidade social. Se as pessoas tivessem maior participação politica e consciência absoluta do seu voto, não se vão deixar levar por interesses ou estratégias partidárias. A sociedade, não só a portuguesa, escolhe sem ter noção da importância e da responsabilidade do acto que está a desempenhar.

1 comentário:

Sara Cabral disse...

Intitulada "O (des)encanto de um jovem político".